Episódio I
APOCALYPSE: Último pôr do sol no dia do fim.
V O Z
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VOZ: Em algum momento da história o mundo colapsou. Talvez tenha sido a ira de deus descendo sobre os vivos. Talvez, a
maior manifestação de seu total desprezo pela humanidade criada por ele, mas abandonada a sua própria sorte.
Aconteceu no sétimo dia, do trigésimo sexto mês mês daquele ano. Todas as nações foram surpreendidas: Surgiu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua sob seus pés, e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. Ela estava grávida e gritava as dores do parto. Gritos agudos-cortantes que rasgaram o véu do firmamento e acordaram o dragão de fogo: 17 cabeças, 45 chifres. Diante da mulher o Dragão esperava que ela desse a luz para lhe devorar a criança.
Com a cauda ele varria as estrelas do céu, jogando-as sobre a terra. Onde caiam, as estrelas dizimavam populações inteiras. Como uma chuva nunca antes vista. Quem imaginaria?
Rádio sendo sintonizado. A cada estação se ouve uma voz contando como presenciou o apocalipse. Por vezes as vozes se misturam. Você pode ficar a vontade para contar sua própria experiência com o fim.
VOZ 1: A coisa mais triste que já vi. Elas vinha caino até sem vontade. Devagar... Coitadas, nunca quisero matar e coitado de nós que nunca quisemo morrer.
VOZ 2: Quando eu era criança meu sonho era conhecer o céu, e também um pé de carambola. Quando o céu caiu corri o mais rápido que pude, me disseram uma vez que comer carambola da sorte.
VOZ 3: No lo sé, cerré los ojos. Tenía miedo del ruido y el resplandor que vino poco después. Cerré mi ojo. Conté hasta 122. uno, dos, siete, setenta y ocho, ciento veintidós.
Abrí los ojo. Yo no pude ver nada.
VOZ 4: Meu filho!!! Perdi meu filho antes do fim do mundo. Foi tiro. Confundiram ele com bandido antes do mundo acabar.
VOZ5: eje eje nibi gbogbo
Narração de TV: O ar da terra está irrespirável. As estrelas que caíram do céu levantaram uma poeira densa do solo que se ergueu sobre a cabeça de quem se atreveu a conseguir sobreviver. Segundo especialistas, a poeira extremamente tóxica, entra pelos poros das pessoas, se infiltra em suas correntes sanguíneas, destroem todos os anticorpos e corroem o corpo de dentro para fora. Ao fim de 24h, só resta a pele das pessoas. Como uma casca. É aconselhável. Ou melhor é PROÍBIDO, EXPRESSAMENTE PROIBIDO SAIR DE CASA. FECHEM AS JANELAS, AS PORTAS. NÃO DEIXEM A POEIRA ENTRAR.
VOZ: O ventre da mulher se transformou em um buraco negro de onde emergia toda a vida, dele nasceu uma criança: o próprio sol. Aconteceu então uma batalha no céu: sozinha a mulher derrotou o dragão apontando uma espada contra o pescoço de uma suas cabeças. Salvou a criança e fugiu para o deserto. O último crepúsculo que se teve notícia.
A criança cresceu escondida no deserto, sem ter o que comer, do peito da mulher não jorrava leite. O menino foi alimentado pela mãe com o maná da terra, mel silvestre e gafanhotos. As histórias do céu faziam dormir e preparavam para um dia sair dali e ganhar as luzes da única cidade que sobreviveu o colapso.
MULHER: Dorme menino, dorme
Oh dorme menino, dorme
Oh, dorme menino,
Oh dorme
Menino dorme
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Episódio Il - ESPERANÇAR: dom ou maldição
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Voz: “No princípio Deus criou os céus e a terra.”
Gênesis 1:1
Quem criou Deus?
...
A cena está habitada apenas por uma fumaça densa e iluminação que recria as luzes de uma grande metrópole em movimento: letreiros luminosos piscando, luzes de postes, de grandes prédio, faróis de carro. Som distorcido. As pessoas que interpretação as personagens 3 e 6 entram em cena e delimitam uma área quadrada no chão do palco. Ao final desta ação, as luzes param e as duas pessoas se põe em pé de frente a plateia, do lado de fora do quadrado enquanto a fumaça se dissipa. De forma simpática conversam com a plateia:
Quem interpretará 6: Eu sou 6. Quer dizer, ainda não sou, eu serei daqui a pouco.
Quem interpretará 3: Eu serei 3.
Quem interpretará 6: O 3 vocês já conheceram, era a criança que nasceu sol e cresceu escondida no deserto. Parece até um tipo de Mesias.
Quem interpretará 3: Mas não é. Aqui não tem deus, nem salvador. 6 vocês ainda irão conhecer. 6 veio do mar, mas desde que não existe mais mar ele mora aqui.
Quem interpretará 6: Eu moro aqui. Parece mais abandonado que o resto do mundo, mas por isso é mais seguro: ninguém se atreve a chegar perto de um lugar que parece mais abandonado do que o resto desse mundo desgovernado.
Quem interpretará 3: Podia ser o mundo lá fora mas ele está falando desse mundo aqui dentro.
Quem interpretará 6: 3 acabou de chegar na cidade para cumprir a sua profecia e tentar alguma sorte. Como aqui parece abandonado (mais abandonado que o resto do mundo), e ele não tem nenhum outro lugar para ir, vai entrar e dar de cara comigo.
Quem interpretará 6 entra no quadrado.
Quem interpretará 3: Eu só quero viver mais um dia para não morrer antes da hora.
Quem interpretará 3 entra no quadrado.
6: Seu cheiro me lembra fim de tarde em beira de ri. Me lembra a malícia d’água, a ginga do vento, e vai me dando uma vontade de mergulhar.
3: E porque não mergulha?
6: Não sei nadar.
3: Não conheço ninguém que aprendeu nadar sem entrar na água.
Riem
Para. Uma nova cena se inicia.
6: É isso! A cidade é feita por nós, e merecemos mais que sobras de comidas podres e umas poucas arfadas de ar puro.
3: É bonito isso.
6: Isso o que?
3: Esperançar
6: Sem esperança não há movimento na cidade.
3: Meu silêncio te incomoda?
6: Não sei. Esperançar talvez seja uma das muitas mentiras que nos acostumamos a contar para nós mesmos, pra tentarmos continuar vivos. Se é que estamos mesmo vivos, se é que Deus ainda tá vivo pra nos proteger e fazer valer tudo isso. Ihhh, deixei um climão, né?
Para. Uma nova cena se inicia.
3: Como é o céu lá de onde você veio?
Para. Uma nova cena se inicia.
6: 3 acordei com a notícia, você já sabe?
3: sim, fecha a janela.
Para. Uma nova cena se inicia.
6: Aqui não tem espaço para outra pessoa.
3: Eu não tenho outro lugar para ir.
6: É seu primeiro dia na cidade?
3: Sim.
6: Não é problema meu.
Episódio III
CÂNTICO DOS CÂNTICOS: aves enfeitam suas penas
O público deve ter a sensação de começar a ver a cena do meio, vendo 3 e 6 discutindo de forma explosiva, já no ápice da discussão e da fúria de ambos.
3: Que se foda você e essa sua bosta de esperança.
6: Engraçado ouvir isso, porque foi a bosta da minha da minha esperança que conseguiu água pra encher seu rabo ontem.
3: Encher meu rabo? A água não deu nem pro começo. (irônia) eu não sei se você sabe, mas metade do mundo morreu e vai continuar morrendo, o pouco que a gente tem de “”“comida””” vai acabar daqui a pouco, mas, claro, eu devia agradecer você e o universo por um copo d’água.
6: Não tem que me agradecer… se você não esperança nada, porque continua vivo?
3: Quem não tem esperança tem que morrer, então?
6: Quem não tem esperança vive?
3: Vive.
6: E por viver 2, que precisamos acreditar, mesmo que seja em nós, o mundo está morrendo mas ainda vivemos. E o que vamos fazer com tudo isso que somos? o que você vai escolher fazer com tudo isso que você é?
2: Eu escolho continuar vivendo. Escolho sonhar com os dois pés no chão. Porque isso é tudo que eu posso fazer. Nem todo mundo pode esperar um futuro seja melhor, porque tá gastando energia demais tentando sobreviver hoje depois de quase ter conseguido sobreviver ontem.
1: Eu vou buscar água, a nossa ta acabando.
pausa no mundo exterior. as horas não existem mais, o tempo é infinito. dois corpos habitam lados opostos do mesmo quarto de quatro paredes. Desconforto. Curiosidade.
3: Parece de outro planeta mas eu também não sou daqui, não sei dizer. olhar tímido sobre o ombro direito (tensão). Vê e se permite ser olhado. um arrepio corta sua espinha do alto da cervical até desaparecer no cóccix (terremoto).
o corpo inteiro se enrijece. a boca se abre involuntariamente. um gemido silencioso. 6: Será que também sentiu isso?
3: Eu não sei o que está acontecendo com meu corpo. seus olhos agora são galáxias inteiras.
6: Eu já não consigo controlar. a boca cravejada de diamantes.
as quatro paredes do quarto lentamente se aproximam. sensação de tontura. a medida que as paredes se fecham a respiração de 1 e 2 se tornam mais pesadas e se fundem em uma orquestra.
os corpos se encontram e dançam pela primeira vez: mãos, dedos, pele, clavículas, pescoço, artérias, poros, toque, cheiro, olhos, bocas, língua. Jorro. uma tempestade.
Faz sol e chuva
6. Minha vó dizia que depois da tempestade um arco-íris sempre surge no céu. 3. O que é um arco íris? 6. É como se alguém pintasse o céu de várias cores. É um sinal bonito pra lembrar que as coisas podem melhorar. 3. Então, ele melhora as coisas? 6. Não. 3. . 6. É questão de esperança. 3. De novo?
OUVE-SE UM ESTRONDO.
EP IV - A ÚLTIMA CEIA
Toda a estrutura do prédio se abala. As paredes do quarto balançam, como se fossem cair a qualquer momento. As luzes piscam constantemente. os corpos se estremecem de medo e instabilidade. Estão aterrorizados. O tremor para e 3 corre para ver pela janela.
3: Era ele.
6: Ele quem?
3: Desistiu por hoje. (falando para si mesmo) Eu não acredito. Não agora. Justo agora. (Continua resmungando)
6: Do que você está falando?
3: (ainda para si. Enfurecendo-se) Corri minha vida inteira. Eu fui um idiota de achar que poderia fugir.
6: (com medo) Você tá me assustando.
3: Não tem mais tempo!!!! A gente vai morrer aqui.
6: Morrer?
3: Mas você não precisa morrer. Só eu. Tudo termina quando ele me matar.
6: Morrer não me assusta. Eu só quero saber QUE PORRA TÁ ACONTECENDO.
(Silêncio)
3: você vai acreditar em mim?
6: Eu não preciso.
3: E mesmo assim, vai acreditar?
6: Não.
3: Eu nasci sol.
6: Mas o sol não existe mais.
3: Não existe porque a besta não deixa existir. Ela persegue e mata qualquer fonte de vida nessa terra. Eu nasci sol e fui marcado por isso.
6: Tá todo mundo marcado.
3: (com um sorriso de ironia) Você não entende. Marcado de morte. Marcado como só alguns são.
6: (vai desesperando-se aos poucos) Então, talvez a gente pode ir pra outra parte. A gente pode se esconder. Eu conheço um lugar! A gente só precisa conseguir sair daqui em segurança. Eu acho que no silêncio da madrugada é melhor. Ninguém vai encontrar a gente e se encontrar a gente muda de novo, e de novo, e de novo, e de novo, de novo, novo
3: eu fiz o jantar.
6: o que?
3: o jantar tá pronto.
6: como assim?
3: fiz de um jeito diferente nem parece que não é comida de verdade. vamos comer?
6: E se ele voltar?
3: Ele sempre vai voltar. E se ele voltar hoje, vai nos encontrar com a barriga cheia.
6 não entende
3 solenemente serve uma lata com uma espécie de sopa. Prova e leva a lata até a boca de 6 para que prove também. 3 e 6 dividem a lata e se alimentam como se estivessem degustando a melhor iguaria de suas vidas. Eles não estão felizes, mas sentimos vida pulsando deles. Sobreposto a eles, imagens de vários pores do sol em velocidade acelerada, até culminar em total escuridão.